terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Poema da Pedra Lioz


Álvaro Gois,
Rui Mamede,
filhos de António Brandão,
naturais de Catanhede,
pedreiros de profissão,
de sombrias cataduras
como bisontes lendários,
modelam ternas figuras
na lentidão dos calcários.

Ali, no esconso recanto,
só o túmulo, e mais nada,
suspenso no roxo pranto
de uma fresta geminada.
Mas no silêncio da nave,
como um cinzel que batuca,
soa sempre um truca…truca…
lento, pausado, suave,
truca, truca, truca, truca,
sob a abóbada romântica,
como um cinzel que batuca
numa insistência satânica:
truca, truca, truca, truca,
truca, truca, truca, truca.

Álvaro Gois,
Rui Mamede,
filhos de António Brandão,
naturais de Cantanhede,
ambos vivos ali estão,
truca, truca, truca, truca,
vestidos de sunobeco
e acocorados no chão,
truca, truca, truca, truca.

No friso, largo de um palmo,
que dá volta a toda a arca,
um cristo, de gesto calmo,
assiste ao chegar da barca.
Homens de vária feição,
barrigudos e contentes,
mostram, no riso dos dentes
o gozo da salvação.
Anjinhos de longas vestes,
e cabelo aos caracóis,
tocam pífaro celestes,
entre cometas e sóis.
Mulheres e homens, sem paz,
esgaseados de remorsos,
desistem de fazer esforços,
entregam-se a Satanás.

Fixando a pedra, mirando-a,
quanto mais o olhar se educa,
mais se estende o truca…truca…
que enche a nave, transbordando-a,
truca, truca, truca, truca
truca, truca, truca, truca.

No desmedido caixão,
grande sonhor ali jaz.
Pupilo de Satanás?
Alma pura, de eleição?
Dom Afonso ou Dom João?
Para o caso tanto faz.

                  António Gedeão

domingo, 17 de fevereiro de 2013

O Velho




Velho,
sem retovos,
genuíno
na retina dos espelhos.
Só o velho é sempre novo
porque o novo imita o velho!
Mesmo a guitarra é sofrida
se é o novo que a embala
sem a vivência das mãos...
O velho, não...
O velho a toma no colo
e com a vida nos olhos
tece carícias de amante
pra encantar a solidão.
Não existe velho, velho
pois a geada nos cabelos
é só mais um documento
assinado pelo tempo.
Os dias se acumulam
tingindo de luz o velo...
O moço que muda o mundo,
Que de todo viveu tudo
só então pode ser velho.
Os anos são que nem livros
guardando sabedoria
pras futuras gerações,
e a memória, um arquivo
onde quem sabe estar vivo
vai buscar informações.
Por isto é preciso fibra,
por isto é preciso zelo,
não é porque o corpo cimbra
que um homem fica velho.
Há tanto guri já velho
e tanto velho, guri...
Tanto moço absorto
que nem sabe que está morto
mas já deixou de existir...
Há tanto guri já preso
Nessas drogas por aí
E tanto velho bem teso
ensinando ao desprezo...
A arte de ser guri.
Velho não é o morto
mas é tudo que está pronto,
o que a vida aperfeiçoou...
Pois é somente a vivência
que vai moldando a experiência
para transpor os estorvos.
É na idade mais nobre
que o moço velho descobre
que só o velho é o novo.
Veja o exemplo das vinhas
sorvendo luz das auroras
pra cor que o vinho vai ter.
Guardando a brisa que toma
para aviar o aroma
que vai gerar o buquê.
Formando com o sol e chuva
todo o segredo da uva
que vai amadurecer.
E tudo só para a messe...
Pois só depois que envelhece
é que o vinho vai nascer.
O novo nasce do velho
Em tudo quanto se cria,
na música, na poesia
nesse modismo do povo...
O velho nunca envelhece
pois sempre reaparece
pra novamente ser novo.
O moço é a vaidade
Em busca da perfeição,
A coragem, o fascínio,
É a força sem domínio
É a chama da paixão.
O velho, não...
O velho é o esplendor,
é vinho que está maduro,
a ciência que o futuro
a gente faz no presente
é mais amor que desejo
por saber sentir num beijo
o que só um velho sente...
O velho é vida repleta,
é a obra já completa,
é a vivência total,
a total sabedoria
de se viver cada dia
como se fosse o final.
Feliz do moço mais belo
que conheça algumas rugas,
pois a vida não se aluga
ela é um dom de Deus...
Feliz do moço que chega
onde a idade se aconchega
Num par de olhos nublados.
onde a vida nos ensina
a anda pelos escuros...
Que importa não ver futuro
quem, mesmo, de olhos fechados
enxerga todo passado
onde escreveu sua história.
É bom que se deixe escrito
que ser moço é ser bonito
mas ser velho é uma vitória!

        Vaine Darde

O Sonho




Pelo sonho é que vamos, 
Comovidos e mudos. 
Chegamos? Não chegamos? 
Haja ou não frutos, 
Pelo Sonho é que vamos.

Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
Que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
Com a mesma alegria, ao que é do dia-a-dia.

Chegamos? Não chegamos?

- Partimos. Vamos. Somos.

     Sebastião da Gama
     in Pelo Sonho é que Vamos (1953)