sexta-feira, 19 de outubro de 2012

A um Homem do Passado

Estes são os tempos futuros que temia 
o teu coração que mirrou sob pedras, 
que podes recear agora tão fundo, 
onde não chegam as aflições nem as palavras duras? 

Desceste em andamento; afinal era 
tudo tão inevitável como o resto. 
Viraste-te para o outro lado e sumiram-se 
da tua vista os bons e os maus momentos. 

Tu ainda tinhas essa porta à mão. 
(Aposto que a passaste com uma vénia desdenhosa.) 
Agora já não é possível morrer ou, 
pelo menos, já não chega fechar os olhos. 

                             Manuel António Pina
                             in "Nenhum Sítio"